O livro de Gênesis é o primeiro da Bíblia e o ponto de partida para muitas das narrativas fundamentais da fé judaico-cristã.
No entanto, ele também é um dos textos mais debatidos entre estudiosos e teólogos.
Ao longo dos séculos, surgiram questões sobre a originalidade de Gênesis, com alguns críticos sugerindo que ele seria uma compilação de mitos antigos, ou até mesmo um plágio de textos mesopotâmicos e egípcios.
Neste artigo, exploramos essa questão, analisando as influências culturais, literárias e teológicas que moldaram o Gênesis, e buscamos entender se ele é, de fato, uma cópia de mitologias antigas ou uma narrativa original e singular.
Gênesis e as Influências Culturais da Antiguidade
O contexto histórico e cultural no qual Gênesis foi escrito é fundamental para compreender o que o distingue de outras narrativas antigas.
Moisés, tradicionalmente considerado o autor do livro, foi criado e educado no Egito, o que o expôs a uma riqueza de mitologias e cosmogonias da época. Como mencionado em Atos 7:22, “Moisés foi instruído em toda a ciência dos egípcios”, indicando que sua formação incluía o conhecimento das histórias de criação egípcias.
Na literatura egípcia, encontramos relatos semelhantes ao da criação em Gênesis. Um exemplo é o mito de Hermópolis, que fala de um caos primordial, sobre o qual paira um espírito antes que a luz seja criada, o que se assemelha ao início de Gênesis, onde “o Espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gênesis 1:2).
Além disso, no hino ao deus Amon, encontramos uma estrutura sequencial de criação muito próxima à de Gênesis: “Amon abriu os olhos e, com sua visão, iluminou o mundo”, o que lembra o momento em que Deus cria a luz no primeiro dia (Gênesis 1:3).
Essas semelhanças, no entanto, não devem ser interpretadas como plágio. O que estamos vendo é o reflexo de uma cosmovisão comum entre as civilizações antigas. Em vez de indicar que o autor de Gênesis copiou narrativas egípcias ou mesopotâmicas, essas semelhanças podem apontar para um ponto de partida histórico compartilhado.
A humanidade, buscando respostas para as questões fundamentais da existência, naturalmente desenvolveria narrativas que compartilham temas semelhantes, como a criação do mundo a partir do caos e a introdução de ordem.
O Enuma Elish e o Épico de Gilgamesh: Semelhanças e Diferenças
Além das influências egípcias, Gênesis também é frequentemente comparado ao Enuma Elish, uma epopeia babilônica que narra a criação do mundo através de uma batalha entre os deuses Marduk e Tiamat.
No relato babilônico, o universo é formado após a vitória de Marduk, que divide o corpo de Tiamat para criar os céus e a terra. Em contraste, Gênesis apresenta uma criação pacífica e deliberada. Deus não luta contra outras divindades; Ele simplesmente fala, e o universo obedece.
Outro exemplo é o Épico de Gilgamesh, que contém uma história de dilúvio muito semelhante à de Noé.
Na narrativa de Gilgamesh, o dilúvio é enviado pelos deuses devido ao cansaço com o barulho da humanidade, uma motivação caprichosa e desconectada de questões morais. No entanto, em Gênesis, o dilúvio é uma resposta divina ao pecado e à corrupção moral da humanidade, mostrando que o ato de Deus é justificado por um padrão ético elevado.
Essas semelhanças, longe de indicarem uma dependência literária direta, sugerem que as culturas antigas compartilhavam eventos históricos e mitológicos comuns.
Os relatos de dilúvio, por exemplo, são encontrados em várias culturas, o que pode indicar que se trata de um evento histórico real, interpretado de diferentes maneiras por diferentes povos.
A Hipótese Documentária: Um Texto Fragmentado ou Uma Coesão Intencional?
Outro ponto de debate sobre a autenticidade de Gênesis é a Hipótese Documentária, que sugere que o livro foi escrito por múltiplos autores ao longo de diferentes épocas, e não por Moisés.
De acordo com essa teoria, as diferenças no uso dos nomes de Deus em Gênesis — Elohim no primeiro capítulo e YHWH Elohim no segundo — indicariam a existência de diferentes fontes ou documentos combinados. No entanto, essa mudança de nome pode ser facilmente explicada como uma escolha literária para destacar diferentes aspectos do caráter de Deus.
No primeiro capítulo de Gênesis, onde Deus é chamado de Elohim, a ênfase está no seu poder criador universal. Elohim é um título que enfatiza a majestade e a soberania de Deus sobre toda a criação.
Já no segundo capítulo, quando o nome YHWH Elohim é usado, a narrativa torna-se mais pessoal, com foco na criação da humanidade e na relação íntima entre Deus e o homem. Esta variação nos nomes reflete uma mudança na narrativa, mas não implica a existência de múltiplos autores.
Além disso, o uso de paralelismos e repetições em Gênesis, que alguns críticos interpretam como prova de múltiplas fontes, pode ser compreendido como uma técnica literária comum nas culturas antigas.
Em muitas tradições, especialmente na tradição hebraica, a repetição era uma ferramenta importante para facilitar a memorização oral e garantir que a narrativa fosse transmitida com precisão ao longo das gerações.
Narrativa Poética ou Histórica?
Outro argumento comum contra a originalidade de Gênesis é que ele seria uma narrativa poética, e não histórica. Críticos sugerem que a estrutura poética encontrada em partes de Gênesis, como o uso de paralelismos e uma linguagem estilizada, indicaria que ele deve ser lido como um mito ou uma alegoria, e não como um relato literal da criação.
No entanto, a ideia de que um texto poético não pode ser histórico é equivocada. A Bíblia frequentemente utiliza poesia para relatar eventos históricos de forma mais impactante e memorável. Em Gênesis, por exemplo, o uso da poesia hebraica não nega a historicidade do texto, mas enfatiza a importância dos eventos descritos.
Além disso, Gênesis contém vários elementos típicos de narrativas históricas, como o uso do vav consecutivo, uma construção gramatical hebraica que é comumente encontrada em textos históricos. O vav consecutivo é uma ferramenta linguística usada para indicar uma sequência de ações, algo que é característico de narrativas históricas e não de poesia pura.
A Singularidade do Gênesis
Embora existam semelhanças superficiais entre o Gênesis e outros textos antigos, o que realmente diferencia o Gênesis é sua teologia monoteísta e seu foco no relacionamento entre Deus e a humanidade.
Nas mitologias egípcias e mesopotâmicas, os deuses são frequentemente caprichosos, envolvidos em lutas de poder, e indiferentes às preocupações humanas.
Em Gênesis, Deus é um ser único e soberano, que cria o universo com um propósito claro e estabelece um relacionamento íntimo com o ser humano.
Além disso, Gênesis oferece uma narrativa moral, onde a criação do mundo e a queda do homem estão intrinsecamente ligadas à justiça divina e à necessidade de redenção. Este enfoque moral é ausente nas mitologias contemporâneas, que tendem a tratar a criação e a humanidade de forma mais arbitrária.
Conclusão: Gênesis e Sua Relevância Contemporânea
Ao analisarmos o livro de Gênesis à luz das culturas antigas, é evidente que ele não é uma simples cópia de mitos anteriores.
Embora existam semelhanças temáticas, Gênesis se destaca por sua teologia, estrutura literária e enfoque moral.
Ele não apenas descreve a criação do mundo, mas também introduz um Deus soberano e pessoal, que se envolve diretamente com a humanidade e estabelece um plano de redenção para um mundo caído.
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O entendimento de Gênesis é essencial para a compreensão das bases do evangelho e do relacionamento entre Deus e a humanidade, um tema que continua a ressoar até os dias de hoje.